Cabo Delgado: ataques espalham terror e deixam mais de 57 mil deslocados

A nova onda de violência em Cabo Delgado atinge Chiúre, Mocímboa da Praia, Macomia e Ancuabe. Famílias fragmentadas, trauma coletivo e falta de assistência agravam a crise humanitária.

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O cheiro de fumaça ainda paira no ar. Casas queimadas, ruas desertas e escolas abandonadas compõem o cenário que, desde o final de julho, se repete de forma brutal em vários pontos de Cabo Delgado. O distrito de Chiúre, no sul da província, tornou-se o epicentro de uma crise que parece não ter fim. Embora o último ataque tenha sido registado em 3 de agosto, o silêncio que se seguiu não trouxe paz — apenas a sensação de que o próximo ataque pode estar a horas de distância.

De acordo com o Instituto para Promoção da Paz e Mediação (IPPM), 1.332 famílias deslocadas no local Samora Machel/N’rehil continuam sem assistência humanitária. Barreiras logísticas, estradas cortadas e o medo constante travam o avanço das equipas de apoio.

Os ataques mais recentes, registados em Mocímboa da Praia, Macomia e Ancuabe entre 7 e 8 de agosto, provocaram novas fugas para Metoro e Ancuabe. Famílias chegam exaustas, muitas com apenas a roupa do corpo, após dias de caminhada por matas e estradas inseguras.

“Preferimos viver separados e em locais diferentes, para não corrermos todos o mesmo risco”, conta um deslocado de Chiúre, que optou por dividir a família entre dois centros de reassentamento.


Esse tipo de separação voluntária é agora comum. Para muitos, é uma estratégia de sobrevivência — se um grupo for atacado, o outro pode escapar.

O IPPM alerta para três desafios urgentes:

  • Trauma psicológico generalizado, que ameaça a coesão social das comunidades;
  • Ocupações irregulares em aldeias como Chiúre Velho, abandonadas mas ainda cobiçadas por quem tenta recomeçar;
  • Recrutamento forçado de menores em campos de transição, onde a ausência de vigilância e programas educativos cria brechas perigosas.

A Organização Internacional para as Migrações (OIM) calcula que mais de 57 mil pessoas foram deslocadas desde o fim de julho. Para estas famílias, o regresso a casa é um sonho distante — as aldeias destruídas, os campos agrícolas abandonados e a insegurança constante tornam qualquer retorno improvável a curto prazo.

Em Ancuabe, o medo voltou a crescer após o assassinato de dois ‘naparamas’ — milicianos tradicionais que combatem insurgentes — e um civil na aldeia de Nankumi. O ataque foi reivindicado por uma célula local ligada ao Estado Islâmico, e provocou uma nova vaga de deslocações para Silva Macua.

O ministro da Defesa, Cristóvão Chume, reconheceu que os insurgentes avançaram para zonas que, até há pouco tempo, eram consideradas seguras.

“Não estamos satisfeitos com o estado atual. Os terroristas conseguiram chegar a áreas que julgávamos seguras. Mas as Forças de Defesa e Segurança continuam a perseguir e a neutralizar os agressores.”

Apesar da presença militar reforçada, a geografia fragmentada e a capacidade de mobilidade dos insurgentes dificultam a estabilização da região.

Em meio à crise, surgem histórias de resiliência. Pequenos grupos de deslocados organizam-se para partilhar alimentos e água, enquanto líderes comunitários improvisam aulas para crianças em tendas e espaços abertos. Organizações religiosas e ONGs tentam fornecer abrigo e kits de higiene, mas o acesso continua condicionado pela insegurança.

Ainda assim, o medo prevalece. “Vivemos cada dia como se fosse o último aqui. Ninguém sabe onde eles vão atacar amanhã”, diz uma mãe de quatro filhos, agora abrigada em Metoro.

Mais do que números, a crise em Cabo Delgado representa uma ferida aberta no tecido social de Moçambique. Sem assistência humanitária consistente, apoio psicológico e um plano sustentável de segurança, a região corre o risco de mergulhar ainda mais na instabilidade — transformando o deslocamento forçado em modo de vida permanente.

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