O Tribunal Judicial do distrito de Gondola, na província de Manica, tornou-se palco de um dos casos mais delicados do ano: dois menores de apenas oito anos estão a ser ouvidos, no âmbito de um processo de prevenção criminal, acusados de violar uma colega de nove anos, dentro do recinto escolar.
O alegado crime ocorreu no passado dia 24 de Julho, na Escola Primária 7 de Abril, onde os três menores frequentam a 3.ª classe. O processo — registado sob o número 4/2025 — levou os dois acusados a comparecer ao tribunal esta quarta-feira, acompanhados pelos respectivos pais, que demonstraram indignação com a forma como o caso foi conduzido.
“Recebemos a notificação diretamente do tribunal, sem sequer termos sido previamente contactados pela polícia. Não houve exame médico da suposta vítima na altura. Que tipo de procedimento é este?”, questionou a mãe de um dos menores.
Já o pai do outro menor diz não compreender como o processo evoluiu sem exames clínicos adequados: “A vítima devia ter sido levada de imediato ao hospital para confirmar a violação. Sem isso, como é que se sustenta a acusação?”
O advogado Francisco Massambo esclareceu que, neste caso, não se trata de um julgamento criminal típico, mas sim de um processo de prevenção criminal, mecanismo legal reservado para indivíduos sem idade penal — neste caso, menores de 12 anos.
“Estas audiências são privadas, não se chamam julgamentos, e têm natureza urgente. Mesmo que se prove que os menores participaram no acto, não podem ser condenados penalmente. O tribunal pode aplicar medidas educativas e psicossociais, como acompanhamento psicológico ou liberdade vigiada”, explicou Massambo.
Entre as 10 a 11 possíveis medidas estão também a advertência formal, acompanhamento parental reforçado e intervenção social.
Do lado da saúde, a posição é clara. O director clínico do Hospital Provincial de Chimoio, Juvenal Chithovele, afirmou que é altamente improvável que crianças de oito anos consigam realizar um acto sexual completo.
“Pode haver ereções ocasionais, como nas manhãs, mas essas não são suficientes para permitir uma relação sexual efectiva. A biologia não suporta esse tipo de acusação sem exames médicos que comprovem penetração”, garantiu.
Chithovele também criticou a forma como as provas foram entregues ao tribunal. A mãe da vítima, técnica de saúde, foi quem apresentou os alegados vestígios de violação. “Isso não é procedimento. O exame deve ser requisitado formalmente pelo tribunal ou procuradoria e realizado por médicos legistas qualificados.”
Apesar do tempo decorrido desde o incidente, o médico assegura que vestígios como laceração do hímen podem ainda ser detectados, caso a avaliação médico-legal seja solicitada.
O veredicto sobre este controverso processo será conhecido na próxima terça-feira, 13 de Agosto. Até lá, o país observa atento a evolução do caso, que levanta questões sérias sobre a idade da responsabilidade penal, fragilidades nos procedimentos legais e a necessidade de coordenação efectiva entre justiça e saúde.
Enquanto a justiça segue seu curso, a sociedade moçambicana enfrenta um dilema ético e legal profundo: como proteger as vítimas e, ao mesmo tempo, garantir justiça justa e científica para crianças abaixo da idade penal?