Era para ser apenas uma carga de milho. Pelo menos, foi assim que se apresentou no Porto de Maputo. Mas por trás dos sacos ensacados com perfeição, descansavam 644 pontas de marfim — 2.814 quilogramas arrancados a elefantes e ao património natural de África, rumo a um mercado distante nos Emirados Árabes Unidos.
Ontem, na Sétima Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, começou o julgamento de oito acusados que, segundo o Ministério Público, são peças-chave de uma rede internacional de tráfico de espécies protegidas.
No banco dos réus estão P. Guilamba, C. Langa, G. Lussaca, D. Ngoca, J. Nhaca, Z. Tamele, L. Tivane e R. Abdula. Os crimes que lhes são imputados vão de associação criminosa a corrupção, uso de documentos falsos e tráfico internacional de espécies protegidas.
Segundo a acusação, a carga foi movimentada por meio da empresa AGXLOGISTIC SU, Lda, cujo registo oficial pertence a um cidadão já falecido — um detalhe que, para os investigadores, não é coincidência, mas parte de um esquema sofisticado de ocultação de identidades. Sete outros suspeitos continuam foragidos, possivelmente já fora do país.
Entre os depoimentos, destacou-se o de D. Ngoca, ajudante de despachante aduaneiro. Ele afirma que apenas cumpriu ordens do seu patrão, L. Tivane, e que nunca soube que transportava marfim.
“O que sabia era que ia milho para o Dubai. Não conheço as regras para exportar espécies proibidas”, declarou, quase como quem tenta convencer a si próprio.
Ngoca relatou que os documentos pareciam “impecáveis” e que não houve pressão para apressar o processo.
As autoridades destacaram que, para além do enorme prejuízo ambiental e do impacto na biodiversidade, o Estado moçambicano foi lesado financeiramente, enquanto redes criminosas internacionais enriqueceram à custa do saque da vida selvagem.
A investigação que levou à apreensão e ao julgamento começou meses antes, quando informações de inteligência apontaram que um grande carregamento suspeito seria processado no Porto de Maputo. As autoridades monitoraram movimentações, examinaram documentos e, no momento certo, intervieram.
O Ministério Público argumenta que o uso de uma mercadoria legítima como fachada — neste caso, milho — é uma técnica clássica de tráfico camuflado, permitindo que o marfim atravesse postos alfandegários sem levantar suspeitas.
O julgamento deverá prolongar-se por várias semanas. Estão previstas audições de testemunhas-chave, análises periciais de documentos, e depoimentos de inspetores aduaneiros.
A expectativa é que, ao longo das sessões, venham à tona novos detalhes sobre a rota do marfim, a rede de contactos internacionais e o envolvimento de funcionários corruptos que facilitaram o esquema.
Se a acusação for provada, os réus podem enfrentar penas pesadas, não apenas pela gravidade ambiental do crime, mas pelo seu impacto na reputação internacional de Moçambique como ponto estratégico de conservação de vida selvagem.