Um confronto delicado entre o direito à propriedade e a luta pela sobrevivência humana está a ganhar contornos dramáticos no bairro de Mutava Rex, nos arredores da cidade de Nampula. Um terreno de 50 hectares pertencente às Irmãs Servas de Maria do Mosteiro Mater Dei, reconhecidas pela sua longa missão espiritual e social na região, foi ocupado por dezenas de famílias que agora resistem à desocupação — mesmo diante de uma ordem judicial clara.
Na terça-feira, 29 de Julho, o advogado das missionárias apresentou no local o despacho da providência cautelar emitido pelo Tribunal Judicial da Província de Nampula, reforçando o apelo para intervenção policial imediata. A medida proíbe qualquer construção, suspende licenças municipais e impede a emissão de pareceres por secretários de bairro, entre outras ações.
“Já vos demos 30 dias antes. Esta é a segunda vez que vos alertamos. Se não quiserem ouvir, preparem-se: vamos agir conforme a lei”, declarou o advogado perante os ocupantes.
O terreno em disputa é sagrado para as Irmãs Servas de Maria, que ali mantêm um mosteiro e obras sociais desde os anos 70. Mas os ocupantes – muitos deles desempregados, chefes de família e deslocados urbanos – afirmam que só buscam abrigo e segurança.
“Sabemos que não é nosso, mas limpámos este mato onde se escondiam criminosos. Encontrámos armas e ossadas humanas. Estamos a proteger a comunidade!”, relatou um dos ocupantes, identificado como Saúde.
A área, que antes era vista como um refúgio do crime, transformou-se em bairro improvisado com casas de adobe, cobertas com chapas de zinco, e até uma mesquita em construção – gesto que gerou desconforto entre os religiosos católicos.
“Esta ocupação ajudou a reduzir violações e criminalidade. Agora é mais seguro andar aqui”, disse Anchita Feliciano, mãe solteira e uma das ocupantes.
A ordem do tribunal não prevê medidas alternativas para as centenas de famílias. Isso tem sido visto como uma falha estrutural na abordagem do problema habitacional em Moçambique.
“O tribunal pode mandar sair, mas devia indicar para onde vamos”, desabafou Namuqueha Djaradjara, desempregado.
A PRM (Polícia da República de Moçambique) ainda não se pronunciou oficialmente sobre quando e como executará a ordem de despejo. Enquanto isso, o receio de confrontos cresce.
O caso expõe o dilema de muitas cidades moçambicanas, onde a pressão populacional, a pobreza e o caos urbanístico levam ao surgimento de ocupações ilegais em áreas privadas ou sensíveis.
Especialistas alertam que a aplicação da lei precisa ser acompanhada de políticas públicas de reassentamento e inclusão social, para evitar que o cumprimento da justiça leve a uma crise humanitária.